Adam Smith e Formas do Conhecimento – Filosofia, Ciência, Religião (Parte 4)

“… a simples suspeita de um mundo sem pai deve ser a mais melancólica de todas as reflexões” — Adam Smith¹

Como dissemos na postagem anterior, a leitura de dezenas de passagens da sexta edição do livro A Teoria dos Sentimentos Morais (TSM) – que foi fruto de uma ampla e cuidadosa revisão das cinco edições anteriores por A. Smith poucos meses antes da sua morte, em 1790 – não me parece deixar dúvidas de que uma certa concepção pessoal sobre Deus foi de importância crucial para ele e sua obra, até o final da sua vida.

Por enquanto vamos citar apenas mais algumas dessas passagens:

“Em cada parte do universo observamos meios ajustados da melhor maneira aos fins que eles pretendem produzir… Quando por princípios naturais somos levados a atingir aqueles fins que uma razão refinada e iluminada nos recomendaria, nos sentimos aptos a … imaginar aquilo como sendo a sabedoria do homem, a qual na realidade é a sabedoria de Deus”.2

“…e eu considerarei, primeiro, a causa que deu lugar a isso, ou o mecanismo pelo qual a natureza produz isso; em segundo lugar, a extensão da sua influência; e, finalmente, o fim a que ele atende, ou o propósito que o Autor da natureza parece ter pretendido por meio dele”.3

Teleologia e Providencialismo Divino em Adam Smith

As duas citações anteriores se referem claramente aos “fins” da teleologia que havia sido objeto da filosofia Aristotélica (todas as coisas na vida teriam um fim, um propósito). E a citação seguinte indica claramente que o providencialismo divino também faz parte da concepção de A. Smith sobre Deus:

“Ações, portanto, que, ou efetivamente produzem o mal, ou tentam produzi-lo, e, portanto, nos colocam em condição de temor acerca delas, são, pelo Autor da natureza, tornados os únicos objetos adequados e aprovados de punição e ressentimento humanos. …Mas cada parte da natureza, quando atentamente observada, igualmente demonstra o cuidado providencial do seu Autor; e nós podemos admirar a sabedoria e bondade de Deus mesmo na fraqueza e tolice dos homens”.4

Para A. Smith, a natureza não é Deus, como consideram os panteístas. Para ele, o Deus único é o Autor da natureza. Essas e várias outras passagens da obra filosófica de A. Smith deixam claro o seu teísmo monoteísta, e também que teleologia e providencialismo fizeram parte da sua concepção sobre Deus, durante toda a sua vida. Entendemos que isso não precisaria continuar sendo um objeto de controvérsias.

Meritocracia e livre arbítrio da humanidade também são conceitos em A. Smith indissociáveis da sua concepção sobre Deus. Mas isso só abordaremos com maiores detalhes mais adiante, quando estivermos colocando mais foco nos livros A Teoria dos Sentimentos Morais e A Riqueza das Nações (RN).

Até aqui nos referimos ao que consideramos ter sido algo próximo da concepção de A. Smith sobre Deus e espiritualidade. Vamos agora abordar um outro aspecto formal do que usualmente se considera como religiosidade: a relação da pessoa em questão com a teologia e o clericalismo das religiões com as quais esteja ligado. No caso de A. Smith, ele conviveu de perto com o presbiterianismo, no seu país natal – a Escócia – e com o anglicanismo, na Inglaterra.

Presbiterianismo, Anglicanismo e Iluminismo no Século XVIII

Tanto o presbiterianismo como o anglicanismo eram religiões cristãs, mas ambas haviam se distanciado da influência da igreja católica. O presbiterianismo fazia parte do reformismo calvinista. E o anglicanismo também resultou de um rompimento do monarca inglês Henrique VIII com o Papa e a igreja católica, em 1534. Desde então, o monarca inglês de cada época é o chefe da igreja anglicana.

Os pais de A. Smith eram presbiterianos, mas, por alguma razão desconhecida, a sua mãe o batizou na igreja anglicana (o pai de A.Smith morreu poucos meses antes do seu nascimento). Se ele foi praticante formal da religião durante a sua vida, desde a infância – se frequentou cultos na vida adulta, por exemplo – não se sabe. Mas sabe-se que apesar do batismo na religião anglicana ele e sua mãe sempre se mantiveram mais próximos do presbiterianismo que do anglicanismo.

A Burgh School, onde ele iniciou seus estudos formais na sua cidade natal, não era uma escola propriamente religiosa. Mas a maioria dos seus professores eram cônegos presbiterianos. Já a Universidade de Glasgow, onde ele ingressou aos 14 anos de idade, era uma instituição de ensino presbiteriana. Nessa universidade ele foi aluno de filosofia Moral do filósofo irlandês Francis Hutcheson, talvez o professor a quem mais admirou e quem mais influência cristã exerceu sobre o seu pensamento filosófico.

Quando se formou em Filosofia Moral aos 17 anos, na Universidade de Glasgow, ele recebeu uma bolsa para continuar seus estudos no Balliol College, parte da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Ali começariam de forma mais acentuada as suas dificuldades em lidar com a teologia dogmática e o clericalismo – bem mais da religião anglicana que do presbiterianismo. Ele se referiu a isso em diferentes passagens, tanto do livro A Teoria dos Sentimentos Morais, publicado em 1759, quanto no livro A Riqueza das Nações, publicado em 1776. Por enquanto, a seguir reproduzimos um desses comentários. Mais adiante voltaremos a outros:

“Em que consistia a felicidade e perfeição de um homem, considerado não somente como um indivíduo, mas como um membro de uma família, de um estado, e da grande sociedade da espécie humana, era o objeto que a filosofia moral antiga se propunha a investigar. Naquela filosofia os deveres da vida humana eram considerados subservientes à felicidade e perfeição da vida humana. Mas quando moral, mas também filosofia, passou a ser ensinada somente como subserviente à teologia, os deveres da vida humana passaram a ser tratados como principalmente subservientes à felicidade numa outra vida. Na filosofia antiga a perfeição da virtude era representada como necessariamente produtiva, para a pessoa que a possuía, da mais perfeita felicidade, nesta vida. Na filosofia moderna, ela foi frequentemente representada como geralmente, ou quase sempre, inconsistente com qualquer grau de felicidade nesta vida; e o paraíso era para ser conquistado somente pelos sofrimentos e mortificações, pelas austeridades e degradações de um monge; não pela liberal, generosa e espirituosa conduta de um homem. Casuística, e uma moralidade ascética, constituíam, na maioria dos casos, a maior parte da filosofia moral das escolas. De longe o mais importante de todos os diferentes ramos da filosofia (a filosofia moral), se tornou, dessa maneira, de longe o mais corrompido”.5 “Esse, portanto, era o curso comum de educação filosófica na maior parte das universidades na Europa”.6

Periodicamente, poderemos realizar reuniões online dedicadas exclusivamente a esclarecer dúvidas e compartilhar ideias sobre o conteúdo até então já disponibilizado neste blog.

Para mais informações entre em contato com a Organizadora do Autor: 

Jacqueline Lima
O ESPAÇO DE CRIAÇÃO
E-mail: oespacodecriacao@gmail.com

REFERÊNCIAS

1. Adam Smith, TSM, VI.ii.3.2, pg.235.
2. Adam Smith, TSM, II.ii.3.5., pg. 87.
3. Adam Smith, TSM, II.iii.Intro 3, pg. 93.
4. Adam Smith, TSM, II.iii.3.2. – Pg. 105-6.
5. Livro RN, V.i.f.30, pg. 771.
6. Livro RN, V.i.f.31, pg. 772.

Compartilhe!
Rolar para cima