Adam Smith – Duas mortes e um renascimento

“O que fazemos na vida ecoa na eternidade.” — Afirmação de Russell Crowe, ator principal do filme “O Gladiador”.

Num jardim localizado perto de Atenas chamado “jardim de Academo”, Platão fundou sua escola de filosofia por volta de 387 a.C. Academo foi um herói da mitologia grega, sendo essa a origem etimológica da palavra “academia”. A Academia Francesa foi fundada em 1635 e adotou a prática de chamar seus membros de “les immortels” (os imortais). Inspirada na academia francesa, a Academia Brasileira de Letras foi fundada em 1897, no Rio de Janeiro, tendo sido Machado de Assis o seu primeiro presidente. Ela também nomeou seus membros “imortais”.

Imortalidade versus segunda "Morte do Autor"

Já Roland Barthes (1915 – 1980) foi um escritor, sociólogo e filósofo francês que, num ensaio de 1967, forjou a expressão “A Morte do Autor”. De acordo com essa tese, uma vez que um texto é criado ele ganha vida própria e seu significado passa a estar sujeito a várias leituras possíveis, podendo assim desvinculá-lo parcial – ou mesmo completamente – do seu autor e da sua intenção original. Assim, nenhuma obra conteria verdades perenes e todas estariam sujeitas à interpretação, dando lugar a um vasto campo de disputas e divergências que persistem após a morte física do autor.

Essa tese sobre “a morte do autor” pode ser válida para certos tipos de literatura ou obras de arte. Mas não o deveria ser para obras filosóficas e econômicas como a de Adam Smith, para quem o homem tem uma necessidade inerente de se relacionar com outros, de se socializar, e de obter o “reconhecimento merecido” das demais pessoas. Como professor de Retórica e Belas Letras, Smith ressaltava que o instrumento básico para a concretização dessa convivência é a linguagem.

Para ele, eram quatro os gêneros literários: o histórico, o poético, o científico (ou didático) e o retórico (ou persuasivo). O gênero científico busca a maior aproximação possível da verdade, enquanto o retórico usa quaisquer meios para o objetivo de persuasão, mesmo que não se acredite que o argumento é verdadeiro. A obra filosófica e econômica de A. Smith certamente pretendeu adotar a linguagem da didática, devendo-se ter em mente que na sua época não havia uma distinção nítida entre ciência e filosofia.

Contudo, a tese original de Barthes sobre “a morte do autor” durante algum tempo parecia ter se mostrado verdadeira para o caso de A. Smith. Pois algumas décadas depois da sua morte física passaram a ocorrer influentes interpretações da sua obra que durante décadas a desfiguraram e em boa medida a dissociaram do seu autor. Ou seja, causaram-lhe uma espécie de “segunda morte”. A mais importante dessas interpretações ficou conhecida como “o problema Adam Smith”, ao qual nos referiremos mais adiante.

Várias décadas após essa sua “segunda morte” começaria um movimento do qual resultaria um novo “nascimento” – ou um renascimento”, ou releitura – de Adam Smith, que continua em andamento. Vamos mencionar brevemente alguns dos episódios que contribuírampara o surgimento desse processo.

A biografia do autor, a contextualização da época em que ele viveu, também podem ser úteis para o objetivo de melhor compreender a intenção e significado das suas proposições. Em 1965 foi republicada nos EEUU uma das mais conhecidas biografias de Adam Smith, de autoria de John Rae, originalmente publicada em 1895, que veio com um prefácio escrito por Jacob Viner, um dos fundadores da escola de economia da Universidade de Chicago. Conceituado economista e grande conhecedor de história econômica, Viner intitulou seus comentários de pouco mais de 10 páginas, nesse prefácio, de “Guia para a Leitura da Biografia de Adam Smith de Autoria de John Rae”.

Viner justificou a necessidade desse “guia” afirmando que Rae teria cometido muitos erros na sua biografia. E esses erros teriam se institucionalizado, mesmo entre os estudiosos com conhecimento diferenciado sobre a obra de Adam Smith. Segundo ele, ao longo de todos esses anos os scholars dedicados a estudar e comentar o trabalho de Smith foram incapazes de identificar e corrigir esses erros, como também de organizar uma edição de qualidade das suas obras e correspondências (curiosamente, entre os estudiosos mais recentes há quem considere que o próprio Viner cometeu algumas imprecisões no seu entendimento sobre o significado de alguns aspectos da obra de A. Smith).

Renascimento do Autor

Alguns anos depois dessa tão justificada reprimenda de Viner teria início uma fase em que um número crescente de cientistas sociais – a grande maioria, não economistas – passou a se dedicar ao estudo e reinterpretação da unidade da obra de Adam Smith publicada em vida e post morten. Esse esforço ganhou ainda mais impulso por uma decisão da Universidade de Glasgow, da qual Smith foi Professor de Filosofia Moral e Reitor, durante vários anos, tomada pouco tempo depois da reprimenda de Viner: comissionar uma edição especial da obra completa de A. Smith, para celebrar o aniversário de 200 anos da publicação do livro A Riqueza das Nações. O último livro da edição completa, com sete títulos e oito volumes, foi concluído somente em 1983.

Os direitos de publicação desta edição viriam a ser adquiridos pelo Liberty Fund em 1982, o que contribuiu para que a obra viesse a se tornar acessível para um público de grande abrangência. O renascimento do interesse e reinterpretação do real significado da obra de Smith começara a ficar evidente desde a década de 1930, mas a primorosa edição da Universidade de Glasgow facilitou e consolidou esse impressionante interesse e contribui para mantê-lo vivo e crescente, até hoje.

Mesmo assim, por estranho que possa parecer, até hoje persistem divergências estre esses estudiosos contemporâneos acerca de diferentes e importantes aspectos da referida obra. Até mesmo sobre o famoso “problema Adam Smith”, que há muito tempo já passara a ser considerado por destacados estudiosos um “pseudoproblema”, continuam a existir controvérsias. Esse fenômeno justifica a frequência com que citaremos literalmente Adam Smith nas próximas postagens. A maior parte dessas citações será extraída de obras da Glasgow Edition distribuída pelo Liberty Fund, e nós mesmos realizaremos a tradução do inglês para o português.

Naturalmente, isso não eliminará nossos comentários e interpretações sobre os trechos citados. Ao privilegiarmos essas citações literais sobre temas mais controversos o faremos apenas na medida em que isso possa, já de início, assegurar aos leitores que as nossas interpretações se atêm a temas e princípios que seguramente emanaram de A. Smith. Tratando-se dessa obra, isso é mais importante do que pode parecer à primeira vista.

Periodicamente, poderemos realizar reuniões online dedicadas exclusivamente a esclarecer dúvidas e compartilhar ideias sobre o conteúdo até então já disponibilizado neste blog.

Para mais informações entre em contato com a Organizadora do Autor: 

Jacqueline Lima
O ESPAÇO DE CRIAÇÃO
E-mail: oespacodecriacao@gmail.com

REFERÊNCIAS

  1. A edição de Glasgow é publicada em capa dura pela Oxford University Press. A edição em brochura e uma versão eletrônica são disponibilizadas pelo Liberty Fund, contendo qualificadas introduções e importantes notas de comentários.
  2. Guide to John Rae’s Life of Adam Smith (1965): Introduction – By John Rae, Jacob Viner.
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