“A maravilhosa disposição e harmonia do universo só pode ter tido origem segundo o plano de um Ser que tudo sabe e tudo pode. Isso fica sendo a minha última e mais elevada descoberta” — Isaac Newton¹
Na postagem anterior ressaltamos que a maioria dos precursores da ciência experimental moderna e contemporânea eram religiosos e não defendiam a existência de leis separadas, mecanicistas, no funcionamento da natureza. Mesmo não sendo capazes de compreender as conexões dos fenômenos em sua totalidade, para eles o cosmos é a diversidade na Unidade. Eles valorizavam as evidências empíricas, mas consideravam que elas só permitiam compreensão de partes, nunca do todo. Portanto, juntamente com a Física, continuavam valorizando também a Metafísica.
Na verdade, esse tipo de postura não terminou com a Idade Média. E uma evidência inquestionável disso se chama Isaac Newton, que foi contemporâneo de A. Smith, no século XVIII. Newton não foi apenas um “precursor” da ciência moderna. Ele foi um dos maiores cientistas da história, tendo feito contribuições da maior importância para a física, a matemática e a astronomia.
Além disso, a reconhecida conexão de Newton com a Alquimia demanda uma consideração pouco usual: a Alquimia, que foi também objeto de estudo de vários outros precursores da ciência anteriores a Newton, estudava a química. Mas o entendimento de que ela buscava a transformação dos metais em estado bruto, em metais preciosos, era uma alegoria para o seu principal objeto de interesse: a evolução possível da consciência humana e o método para conquistá-la.
Esses comentários que viemos fazendo desde postagens anteriores sobre a religiosidade dos precursores da ciência moderna – e particularmente de Isaac Newton – se destinam a nos oferecer paralelos e referências úteis para a análise da controversa relação de A. Smith e sua obra com a religião.
Boas Respostas Dependem de Boas Perguntas
A tentativa de superar essa dificuldade envolve encontrar respostas satisfatórias para duas questões: 1. Adam Smith admitia a existência de um Deus único que interfere providencialmente nas vidas dos seres humanos? 2. Caso a resposta para a pergunta anterior seja positiva, a validade de algumas das proposições da sua obra ficava inteiramente na dependência da existência e influência desse Deus?
Se as respostas para as duas perguntas forem positivas, então algumas das importantes proposições da sua obra não teriam qualquer importância para pessoas que não creem na existência desse Deus providencial. E isso daria suporte à constatação de que a obra de A. Smith não atenderia aos requisitos da abordagem científica experimental moderna e contemporânea.
Procuraremos apresentar evidências de que a resposta para a primeira pergunta é sim; e a resposta para a segunda pergunte é não.
Na linguagem filosófica, as duas perguntas apresentadas acima poderiam ser feitas com outras palavras: a obra de A. Smith era teleológica e também se apoiava na crença de um providencialismo divino?
Teleologia em Aristóteles
A Teleologia é o estudo dos fins (telos, em grego). Para Aristóteles, tudo na natureza tem uma finalidade. Por exemplo, uma semente tem como finalidade se tornar uma planta ou uma árvore adulta. Na biologia, cada órgão do corpo tem uma função — olhos para ver, pulmões para respirar. O fim da vida humana é a eudaimonia (realização, florescimento, felicidade).
Observe-se que a teleologia é um tema filosófico, que não demanda necessariamente a existência de um Deus, como ocorre com o providencialismo. Mas, obviamente, nem a teleologia, nem o providencialismo divino, são objetos de estudo da ciência moderna, uma vez que não podem ser confirmados ou negados empiricamente. Portanto, proposições que se apoiam exclusivamente em argumentos teleológicos ou providencialistas não fazem parte da ciência.
Existem numerosas passagens literais do livro A Teoria dos Sentimentos Morais que consideramos de natureza claramente teleológica e/ou providencialista. Por enquanto citaremos apenas uma delas:
“A felicidade da humanidade, como também de todas as outras criaturas racionais, parece ter sido o propósito original pretendido pelo Autor da natureza quando as trouxe à existência. Nenhum outro fim parece merecedor daquela suprema sabedoria e divina benignidade que nós necessariamente atribuímos a Ele; e essa opinião, a que somos levados pela consideração abstrata das Suas infinitas perfeições, é ainda mais confirmada pelo exame dos trabalhos da natureza, que parece todos pretenderem promover a felicidade, e guardar contra a miséria. Mas, agindo de acordo com as determinações das nossas faculdades morais, nós necessariamente perseguimos os meios mais efetivos para promover a felicidade da humanidade, e, portanto, pode ser dito, em certo sentido, cooperar com a Deidade, e para avançar, dentro das nossas possibilidades, o plano da providência. Agindo de outra forma, pelo contrário, nós parecemos obstruir, em alguma medida, o esquema que o Autor da natureza estabeleceu para a felicidade e perfeição do mundo, e declaramos a nós mesmos, se posso dizer assim, em alguma medida os inimigos de Deus” 2.
A teleologia e providencialismo claramente contidos nessas proposições nada têm de surpreendentes, uma vez que fazem parte de uma obra sobre ética, sem pretensão de ciência moderna. Numa das próximas postagens apresentaremos o que nos parecem evidências de que, na obra sobre economia – o livro A Riqueza das Nações – a situação é diferente: onde quer que surja uma proposição de natureza teleológica ou providencial ela também pode ser confirmada pela evidência empírica (inclusive a tão incompreendia “mão invisível”). Ou seja, a sua aceitação não fica na dependência da crença em Deus ou de dogmas religiosos.
Não é sem motivo que na sua obra sobre ética, revisada por ele pouco antes da sua morte A. Smith se refere dezenas de vezes a um Deus único, supremo e providencial, Enquanto na sua obra sobre Economia essa referência não é feita uma única vez.
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REFERÊNCIAS
1. Newton’s Philosophy of Nature: Selections from His Writings, organizadapor H.S. Thayer.
2. Adam Smith, “A Teoria dos Sentimentos Morais”, III.5.7., pg. 166.