“Os professores modernos de economia e ética operam em disciplinas que foram secularizadas ao ponto de os elementos religiosos e implicações que antes eram parte integrante delas terem sido cuidadosamente eliminados. Está na natureza dos historiadores do pensamento, no entanto, manifestar uma propensão a descobrir que seus heróis tinham as mesmas opiniões que eles mesmos expõem, pois no mundo intelectual esta é a maior honra que eles podem conferir aos seus heróis” — Jacob Viner¹
A citação acima faz parte de uma avaliação na qual o conceituado economista e historiador Jacob Viner opina que é impossível compreender a obra de Adam Smith – inclusive o livro A Riqueza das Nações – sem tomar devidamente em conta a influência da sua religiosidade e teleologia (numa das próximas postagens abordaremos o significado de “teleologia” e a sua relação com a obra de A. Smith). Viner afirma que “professores modernos de economia e ética” eliminaram deliberadamente elementos religiosos da obra de Adam Smith.
Como já dissemos em postagem anterior, a dificuldade de se entender a concepção de A. Smith sobre a religião ao longo da sua vida adulta é uma das causas da persistência de numerosas divergências e controvérsias que até hoje persistem sobre o significado da sua obra. O que nos coloca na condição de precisar abordar um tema sobre o qual considero que o humilde e respeitoso silêncio costuma ser a melhor atitude: a religião e Deus (mesmo que se referindo à concepção de terceiros).
Nas próximas postagens abordaremos brevemente a possível influência do cristianismo e da filosofia grega (especialmente o Estoicismo) na obra de A. Smith. A presente postagem descreve algumas das referências contextuais importantes para tal objetivo.
Condição Econômica e Cultural da Europa Ocidental Durante a Idade Média
Na época de Adam Smith, a religião católica não era a mais influente – nem no seu país, a Escócia, e nem na Inglaterra. Na Escócia era dominante a influência da Igreja Presbiteriana, da qual seu professor Francis Hutcheson era Reverendo e Doutor em Teologia; na Inglaterra, era um ramo protestante do cristianismo liderado pela “Igreja da Inglaterra”, ou “Igreja Anglicana”, que na época era hostil em relação à Igreja Católica Romana. Mas as duas eram religiões cristãs.
Durante quase toda a Idade Média a Europa Ocidental se manteve como uma das regiões econômica e culturalmente mais subdesenvolvidas do mundo. O número de pessoas adultas alfabetizadas nunca superou 15% e quase 90% da população era pobre ou miserável. A teologia era considerada “a rainha das ciências”, a disciplina que supria o fundamento de todas as demais áreas do conhecimento. As universidades medievais fundadas entre os séculos XII e XIII se estruturaram tendo a teologia como o conhecimento mais importante.
O frade dominicano, filósofo e teólogo Tomás de Aquino (1225-1274) argumentou que a razão e a fé não eram opostas, mas complementares. Ele se empenhou em demonstrar que a filosofia de Aristóteles era respeitável, mas somente a teologia da revelação cristã fornecia o entendimento completo da ordem cósmica, revelando o propósito divino por trás da criação.
Origens e Caminhos da Ciência Moderna
Quase todos os precursores da ciência moderna na Europa foram religiosos monoteístas ou profundamente espiritualizados. Isso se aplica, por exemplo, a Roger Bacon (1214–1294 – Católico Franciscano) e Sir Isaac Newton (1643-1727 – Cristão não ortodoxo), passando por Nicolau Copérnico (1473-1543 – Cônego da Igreja Católica), Paracelso (1493 – 1541 – Tinha uma visão mística da natureza), Galileu Galilei (1564-1642 – Católico), Francis Bacon (1561–1626 – Cristão Anglicano), René Descartes (1596-1650 – Católico) e Blaise Pascal (1623-1662 – Católico Jansenista). Mas quase todos eles tiveram sérias divergências com aspectos da teologia e do clericalismo das religiões organizadas.
Dada a restrição de espaço, vamos nos referir brevemente aqui apenas ao primeiro e ao último dos precursores da ciência moderna mencionados acima: Roger Bacon, que foi o mais distante de Smith, cronologicamente; e Isaac Newton, que exerceu grande influência sobre a concepção da metodologia científica adotada por Adam Smith, tendo morrido 04 anos depois dele.
Em sua famosa obra “Opus Maius” o Frade Franciscano Roger Bacon declarou, como seu contemporâneo dominicano Tomás de Aquino, que “… existe uma sabedoria perfeita e ela está contida nas Sagradas Escrituras, nas quais radica toda a verdade”. Mas, diferentemente de Aquino, Roger Bacon foi também pioneiro da busca do conhecimento pela prática experimental, se tornando conhecido como o “Doctor Mirabilis” (Admirável Doutor).
Descendente de família rica, estudou e ensinou em Oxford (tal como Tomás de Aquino). Escreveu brilhantes observações sobre a física e a metafísica de Aristóteles, enquanto se aprofundava nos autores árabes que reintroduziram na Europa os filósofos gregos. Escreveu uma gramática do grego e começou outra do hebraico. Teria provado ainda que vários textos da Bíblia haviam sido adulterados e muitas traduções de Aristóteles conteriam erros.
Por volta de 1277, Roger Bacon foi preso por determinação interna da ordem franciscana, sob a acusação de heresias. Segundo diferentes fontes, teria permanecido encarcerado por cerca de 10 a 14 anos.
Evento Marcante para o Progresso da Ciência: A Invenção da Imprensa
A invenção da imprensa foi um divisor de águas na história cultural e científica da humanidade. Antes disso, os livros eram copiados a mão por monges “copistas”. Pode-se imaginar quão lento era o processo e quão elevado o custo de se produzir livros.
A invenção da imprensa com tipos móveis aconteceu em meados do século XV, na cidade de Mainz, na Alemanha. O ourives e inventor alemão Johannes Gutenberg foi o responsável. Essa invenção – a prensa de Gutenberg – ampliou rápida e amplamente o acesso ao conhecimento e teve grande importância para o Renascimento e o Iluminismo.
Uma pergunta que inevitavelmente aflora quando se lê essas informações é: “Qual foi o primeiro grande e importante livro impresso por Gutenberg”? A resposta nada tem de surpreendente, considerando-se aquela época: foi a “Bíblia de Gutenberg”, impressa em torno do ano 1455, que ficou também conhecida como “a Bíblia de 42 linhas” (a Bíblia tinha 42 linhas em cada página).
Periodicamente, poderemos realizar reuniões online dedicadas exclusivamente a esclarecer dúvidas e compartilhar ideias sobre o conteúdo até então já disponibilizado neste blog.
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REFERÊNCIAS
1. Jacob Viner, “The Hole of Providence in Social Order – Princeton Legacy Library – 1977 – Pgs. 81-2