É conhecido o argumento de que o conhecimento científico evolui ao longo do tempo de forma cumulativa, tornando o seu estágio atual sempre mais avançado do que em qualquer época do passado. Aceito esse argumento sem ressalvas, e levando em conta a escassez do tempo e a competitividade profissional, não deveria surpreender que o estudo da história dessas ciências, a maioria das vezes remontando a séculos, seja visto como pouco relevante.
Esse fenômeno ajuda a explicar por que grande parte das universidades não inclui disciplinas obrigatórias sobre a história do pensamento científico em seus currículos, tanto nos cursos de graduação quanto nos de pós-graduação. Mesmo após concluírem seus estudos universitários, muitos cientistas continuam indiferentes à história da ciência à qual se dedicam profissionalmente.
Ao longo das últimas décadas, a teoria econômica tem revelado uma tendência peculiar: nos cursos de graduação e pós-graduação das universidades, as disciplinas obrigatórias sobre História do Pensamento Econômico permanecem relativamente escassas. No entanto, há um crescimento significativo no número de associações, artigos, livros e conferências dedicadas ao tema. Essa tendência é particularmente destacada em relação à obra de Adam Smith, o filósofo escocês do século XVIII amplamente reconhecido como o fundador da moderna Teoria Econômica ou Economia Política.
A história do pensamento econômico é útil, não apenas por contribuir para o desenvolvimento de habilidades teóricas. Mas principalmente porque influencia uma compreensão mais ampla da disciplina – incluindo seu potencial, suas realizações e suas limitações. Há argumentos sólidos a favor de um maior enfoque na história do pensamento econômico no estudo da Economia moderna, mesmo preservando a ênfase na engenharia econômica, e a importância auxiliar da matemática e da econometria.
A Relevância Contemporânea da Obra de Adam Smith
Segundo Knud Haakonssen, um dos mais respeitados estudiosos contemporâneos da obra de Smith:
Adam Smith não é somente o pai da economia política, como os especialistas nunca se cansam de enfatizar; ele é muito mais que isso. Suas ideias econômicas, sua crítica contra os mercantilistas, e suas implicações sobre o papel dos governos não são o que a ortodoxia acadêmica tem argumentado e precisam ser reinterpretadas. A. Smith pode ser transformado num ativo participante em debates morais contemporâneos sobre assuntos que vão, desde Rawls, a ambientalismo, à ética da virtude, a teorias sobre ´moral luck´. … Nas mãos de Smith a Filosofia Moral é em primeiro lugar uma grande teoria antropológica dentro da qual linguagem e literatura, artes e ciências, política e leis, e, é claro, Economia, devem ser estudadas com o objetivo de estabelecer empiricamente – principalmente historicamente – o equilíbrio entre natureza e cultura. Porém, durante a maior parte dos dois séculos e meio desde que ele começou a ensinar e publicar, a nossa compreensão de Smith tem sido severamente embaraçada por limites disciplinares estreitos.
Maria Pia Paganelli complementa esse tipo de visão ao afirmar:
Compartilhamos com os escoceses do século 18 as preocupações sobre a compreensão dos seres humanos, a natureza humana, a sociabilidade, o desenvolvimento moral, nossa capacidade de entender a natureza e seu possível criador, e sobre as possibilidades de usar nosso conhecimento para melhorar nosso ambiente e padrões de vida. À medida que nossas disciplinas evoluem, os estudos de Smith e do Iluminismo escocês evoluem com elas. Smith e os escoceses continuam sendo nossos interlocutores. David Levy me disse uma vez: “Adam Smith ainda é nosso colega. Ele não está no escritório, mas está no final do corredor”. A literatura recente sobre Adam Smith e o Iluminismo escocês mostra que Levy está certo.
Além do Crescimento Econômico
A obra de Smith, formulada no século XVIII, contribuiu significativamente para a geração e crescimento sustentado da riqueza das nações, conquista histórica que teve início poucos anos depois da sua morte, com a Revolução Industrial, e perdura até hoje. E essa continuidade é necessária para que se possa continuar a reduzir a miséria e a pobreza, especialmente nos países menos desenvolvidos. Porém, no atual estágio da teoria econômica moderna, não é mais para essa engenharia econômica que visa o máximo crescimento do Produto Interno Bruto a contribuição mais importante que se pode obter da releitura da sua obra a que nos referimos aqui.
Para que a releitura desta obra gere benefícios efetivos, é essencial, antes de tudo, corrigir interpretações equivocadas que ainda persistem e que se originam de correntes econômicas e políticas, tanto de esquerda quanto de direita. Essas interpretações envolvem conceitos fundamentais da obra de Adam Smith, como natureza humana, ética, egoísmo, liberdade, riqueza e pobreza materiais, “mão invisível”, utilitarismo e felicidade.
Muitos desses equívocos derivam da falsa ideia de que Smith teria mudado radicalmente sua visão sobre as motivações do comportamento humano ao longo dos dezessete anos que separam as publicações de A Teoria dos Sentimentos Morais e A Riqueza das Nações. Além disso, leituras fragmentadas deste último livro frequentemente levam ao erro de considerá-lo isolado do restante da Filosofia Moral de seu autor.
Este blog enfrentará o desafio de explorar esse tema publicando uma vez por semana textos curtos, destacando as ideias e proposições a nosso ver mais importantes da parte da obra (inacabada) publicada post morten, do livro a Teoria dos Sentimentos Morais e do livro A Riqueza das Nações, sempre enfatizando as suas conexões e unidade.
Feita essa releitura dos aspectos essenciais da obra, em seguida seria interessante refletir de que forma o neoliberalismo e o capitalismo contemporâneos poderiam ser comparados com a “economia da liberdade natural” que Adam Smith tinha em mente (a palavra “capitalismo” e a expressão “laisser-faire, laisser-passer” jamais foram sequer usadas por ele, em toda a sua obra).
Periodicamente, poderemos realizar reuniões online dedicadas exclusivamente a esclarecer dúvidas e compartilhar ideias sobre o conteúdo até então já disponibilizado neste blog.
Para mais informações entre em contato com a Organizadora do Autor:
Jacqueline Lima
O ESPAÇO DE CRIAÇÃO
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REFERÊNCIAS
- Vaughn, Karen I., 1993. “Why Teach the History of Economics?” Journal of the History of Economic Thought – 15:2.
- New Voices on Adam Smith – Routledge Studies in the History of Economics – 2006 – Foreword by Knud Haakonssen.
- Maria Pia Paganelli, Recent Engagements with Adam Smith and the Scottish Enlightenment – History of Political Economy – 2015.